sábado, 24 de outubro de 2009

Um

Um conhece o outro numa noite que em que o um não tem mais o que fazer.


A principio parece que a única coisa que os dois procuram é sexo.

Um acha o outro lindo. Um vê outro como alguém especial,

Alguém que poderia preencher o vazio que um vem sentindo há muito tempo.

Logo outro mostra que na verdade, apesar de sexo ser muito bom,

Outro quer é grana. Um percebe isto, mas leva tudo muito suavemente, na falta de um adjetivo melhor...

Um faz sexo, afinal sexo é bom,

Acha que outro vai gostar de sua maneira de fazer sexo e esquecer da grana, afinal sexo parece ser maior que grana, ou ainda que os sentimentos são maiores que a grana...

Um, gosta do sexo, ou ainda um acha que tem sentimentos no momento do sexo,

Mas não tem, outro só pensa na grana. Um pensa na tristeza da prostituição.

Acha que os sentimentos estão acima do dinheiro, e que uma pessoa “de verdade” se encontrará e descobrirá que os sentimentos são maiores que o dinheiro, os sentimentos são mais nobres, e que todo mundo quer ser nobre... Mas não quer... Nem todo mundo quer ser nobre, ou melhor, poucas pessoas querem ser nobres, ou melhor, ninguém quer ser nobre porra nenhuma... As pessoas querem dinheiro...

E acaba do sexo...

E agora? É dinheiro ou o sentimento? E quem ganha é sempre o dinheiro...

E uns pagam... E então um pensa:

“Quem tem dinheiro não liga muito pro sexo, prefere os sentimentos.

Quem não tem dinheiro, não liga pra sexo, prefere o dinheiro.

Quem não tem sentimentos, não liga pra dinheiro, nem pra sexo.

Quem não tem sexo, não liga pro dinheiro, nem pro sentimento, prefere o sexo.”

E está totalmente errado.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Conto: Decepção


Foi numa tarde de domingo. Ele passeava pelos canais da TV, tentando achar algo que o fizesse deixar de pensar nos dias anteriores, porém sem muito sucesso, já que a troca de imagens simplesmente facilitava ainda mais sua alienação, fazendo-o relembrar cada detalhe daquele feriado indescritível, daquelas vinte e quatro horas na companhia mais agradável que ele poderia ter encontrado, depois dos sete meses de clausura, causada pelo fim de seu relacionamento com Fernanda.
Lá fora um vento frio e seco insistia em soprar, anunciando que finalmente o outono chegara. Mudança de estação, mudança de postura.
Ele conheceu Renata em uma noite em que resolveu que não valia mais a pena lamentar pelo que já não existia, e tentava se manter frio e seco, assim como o vento daquela nova estação, afim de não ganhar novas feridas, já que as antigas ainda não haviam se tornado cicatrizes. No entanto, sucumbira aos encantos, tão terrivelmente arrebatantes, daquela doce criatura que acabava de conhecer e ali se encontrava tentando convencer a si mesmo de que a paixão era um mito. Ou isso era algo que ouvira em algum comercial que passava na TV.
Inesperadamente uma canção antiga começa a tocar, fazendo-o sair de seu transe e suscitando a lembrança da responsável por suas ainda não curadas feridas. No visor do celular a constatação: Fernanda chamando...
Deixou tocar um pouco mais, depois atendeu com uma voz um tanto apática.

  • - Alô!

    - Oiiii! - exclamou ela, com um tom extremamente agradável.
    - Quem é? - perguntou ele, afim de que ela achasse que já não tinha mais o seu número gravado.
    - É a Nanda. – apelido pelo qual só ele a chamava.
    - Ah! Oi Nanda. – exclamou ele, tentando transmitir surpresa.
    - Está fazendo o que? - perguntou ela, com a voz provocante.
    - Assistindo TV. - respondeu ele.
    - Vai ficar assistindo TV o dia inteiro? - provocou ela.
    - Por que? Tem algo mais interessante em mente? - retribuiu ele.
    - Precisava falar sobre um assunto com você. - disse ela incisiva.
    - Tudo bem. É só o tempo de eu tomar um banho. - respondeu, representando mais ansiedade do que gostaria.
    - Não. Toma banho aqui. Senão vai demorar mais. - disse ela, fazendo com que ele ruborizasse do outro lado da linha.
    - Tudo bem. Daqui a quarenta minutos estarei aí. - disse ele, já não conseguindo mais esconder a impaciência.

Segundos de comoção sucederam o fim daquela conversa, os quais ele permaneceu atônito, com um turbilhão de pensamentos, dúvidas, sentimentos e incertezas afligindo sua mente e seu coração. Ele inspirou intensamente e expirou, tentando com a respiração tirar um pouco da ânsia que o consumia naquele instante.
Pensava em Renata. Sofria com a possibilidade de vir a magoar aquela que representava uma chance de começar de novo, de se reconstruir. Ele a veria dali a algumas horas, conforme combinado em sua despedida na noite anterior. Mas também pensava em Fernanda. Arrumava uma pequena mochila com alguns produtos de higiene pessoal, já que ponderava até mesmo a possibilidade de acabar dormindo na casa dela, afinal ela o tinha “ordenado” que tomasse banho lá. Mas essa mesma possibilidade o assombrava, ao imaginar o que diria à Renata. E lembrava de seu cheiro, de seu toque e de todas as coisas sobre as quais eles conversaram durante horas a fio. Ele estava aflito, parecia-lhe que a vida estava lhe pregando uma peça. No momento em que ele decide deixar pra trás toda sua história atribulada com Fernanda, quando ele, depois de meses de angústia, agonia e privação de suas relações sociais, encontra alguém que poderia fazer com que ele acreditasse novamente no amor, o que parecia arrematado se desata. A confusão em sua mente era muito grande e ele não sabia como agir, estava simplesmente se deixando levar pela corrente naquele rio caudaloso em que se transformara aquela tarde fria de domingo.
Vestiu uma roupa qualquer, arrumou o cabelo e passou um perfume barato. Com a mochila às costas, pegou sua moto e seguiu o caminho em direção à casa de Fernanda, deixando pra trás o remorso de estar destruindo algo tão promissor que ele e Renata poderiam estar começando a construir.
Como não acontecia há muito tempo, ele passou a se lembrar de todos os detalhes do corpo de Fernanda, seus olhos, seus cabelos, sua boca, sua voz, a suavidade de sua pele, enfim todas as qualidades, que ele há muito tentava esquecer, e que até pouco tempo conseguira, suprimidas pela mágoa com a qual o fim da relação o havia presenteado. Mas naquela ocasião, ele estava disposto a deixar todo o sofrimento pelo qual ele havia passado, e todo rancor que um dia ele nutrira por ela, para viver com aquela que ele havia escolhido para ser a única dona de sua vida.
O tempo parecia passar em câmera lenta. Apesar de sua moto marcar quase cento e vinte quilômetros por hora, a quantidade de pensamentos por segundo fazia com que a paisagem no trajeto se paralisasse. A expectativa era muito grande, ele pensava na reconciliação sonhada nos últimos meses, e tudo aquilo que ele sentia no inicio do namoro, tudo aquilo que ele havia tentado esconder como uma mola numa caixa, simplesmente o havia dominado novamente. Cada quilômetro percorrido era um quilômetro a menos que o separava do tal assunto sobre o qual Fernanda queria falar com ele. Ele não tinha mais dúvidas. Entre eles não havia outro assunto que não fosse eles. Ela certamente havia descoberto que o fim do namoro fora um erro. Ela percebera que não poderia encontrar ninguém em sua vida que a amasse mais que ele, que todos os planos que ele havia elaborado com tantos detalhes, deveriam sim ser concretizados: a casa, o casamento, os filhos. Ela havia se atinado enfim ao fato de que os dois poderiam ser felizes, e juntos.
Ele estava muito próximo. Cada esquina dobrada representava uma porta aberta para a vida de contos de fadas, com a qual ele havia há tanto imaginado, ao lado de sua princesa de olhos esmeralda e cabelos dourados.
Quando enfim chegou ao seu destino, mal conseguia se conter de emoção. Suas mãos minavam suor, sua boca parecia cheia de areia e um tremor incontrolável tomava conta de seu corpo. Foi quando ela apareceu impecavelmente bem vestida, cabelos ao vento e ostentando, além do habitual sorriso, uma taça de vinho tinto. Ele não conseguiu esboçar nenhuma reação que não fosse manter-se estático, boquiaberto, admirando toda aquela beleza e sensualidade que um dia foram suas.
Ela o recebeu com um “olá” e um beijo no rosto e ele ainda sem conseguir articular uma palavra sequer.
Foi quando atravessou a porta um rapaz alto, também loiro, até bem apessoado, que ela apresentou como sendo seu marido. Haviam se casado há uma semana e ela queria que ele o conhecesse.
Ainda mudo, ele colocou de novo o capacete, ligou sua moto e saiu, culpando a si mesmo pela dor da decepção, pois havia sido ele quem criara expectativas.
E voltou pra casa. Ainda havia tempo de se encontrar com Renata.